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BR-232, quilômetros de histórias e desenvolvimento

Molière, Capistrano de Abreu, Agamenon Magalhães e Josenildo Santos. Um dramaturgo, um historiador, um ex-governador de Pernambuco e um empresário, respectivamente. Distantes por séculos, profissões, países ou cidades. Próximos por uma estrada. De forma abstrata, em caminhos que se cruzam por conta da transformação de um espaço. E também no concreto – contrário ao metafórico, mas também literal ao falar do material que pavimenta vias que carregam histórias e pessoas. Muitas, em ambos os casos. A BR-232 (intitulada rodovia Luiz Gonzaga) faz essa ligação. Do passado ao presente. Da capital ao interior. De Pernambuco a… Pernambuco.

“É comprida a estrada que vai desde a intenção até à execução”. A frase do francês Molière cai bem no desafio que Pernambuco teve na implantação da rodovia de 552 quilômetros de extensão, partindo do Recife até a cidade de Parnamirim, no Sertão. Segundo o historiador Capistrano de Abreu, na obra “Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil”, o estado praticamente não tinha sido explorado além dos limites da região que hoje corresponde ao município de Bezerros, pouco mais de 100 quilômetros distante do Recife. Em 1830, o Conselho Geral da Província levantou a necessidade de uma melhoria nas estradas. Era o primeiro esboço do que, no século seguinte, se tornaria a BR-232.

Plano Rodoviário e mudanças no nome

Após a Revolução de 1930, Carlos de Lima Cavalcanti assumiu o governo do Estado, na condição de Interventor Federal. No período, foi elaborado o Plano Rodoviário. Das rodovias citadas como parte do projeto de desenvolvimento, estava a BR-232. Na época, o local era conhecido como Estrada Tronco Central – chamado depois de Estrada Transversal de Pernambuco, rodovia Agamenon Magalhães e BR-25.

Antes, partia do Marco Zero, no bairro do Recife. Hoje, tem o quilômetro zero próximo à ponte da Madalena, na Zona Norte da capital, terminando no entroncamento da BR-316, em Parnamirim – anteriormente, se estendia até Petrolina, tendo 759 quilômetros.

Nomenclatura da rodovia

Desde 1º de janeiro de 1965, entrou em vigor a Lei nº 4.592, de 29 de dezembro de 1964, dispondo sobre o Plano Nacional de Viação (PNV). Foi estabelecida uma modificação na nomenclatura das rodovias e a BR-25, no trecho entre Recife e Parnamirim, passou a ser denominada BR-232, caracterizada como uma rodovia transversal.

O trecho compreendido entre Parnamirim e Petrolina passou a integrar a rodovia BR-122. Atualmente pertence às rodovias PE-555 (em uma extensão de 94 quilômetros a partir de Parnamirim), BR-122 (35 quilômetros a partir do final da PE-555 e até Lagoa Grande), BR-122 e BR-428 (51 quilômetros entre Lagoa Grande e Petrolina).

Uma curiosidade: as rodovias de ligações de leste a oeste, caso da 232, começam sempre com o número dois. A numeração seguinte varia de 00 a 99. O número de uma rodovia transversal é obtido por interpolação, entre 00 e 50, se estiver ao norte da capital, e entre 50 e 99, se estiver ao sul. Tudo isso em função da distância ao paralelo de Brasília.

A “Batalha da Pavimentação”

Até o início da década de 1950, a rodovia tinha poucos trechos pavimentados. Cenário que mudou após a participação de dois personagens. “O governador Agamenon Magalhães e Armando Monteiro Filho (secretário de Viação e Obras Públicas) foram importantes na construção da BR-232. Quando Agamenon assumiu o Estado em 1950, a pavimentação ia até Moreno apenas. Uma viagem a Caruaru, por exemplo, levava em média cinco horas. Em épocas de inverno, não era possível passar na estrada. Começou aí a ‘Batalha da Pavimentação’, com obras até Caruaru”, afirmou o professor e engenheiro civil Maurício Pina, autor do livro “BR-232, um caminho de Engenharia e História”.

O diretor geral do Departamento de Estradas de Rodagem da época era Abdias de Carvalho, que também dá nome a um trecho da 232. Outros pontos pavimentados foram em Moreno e Vitória, além do acesso ao Planalto da Borborema, na subida da Serra das Russas, em Gravatá.

Pioneirismo e independência

Pina conta que Pernambuco foi pioneiro em todo o Norte-Nordeste na pavimentação de suas rodovias, iniciando obras na mesma ocasião das reformas na Via Dutra, que liga São Paulo e Rio de Janeiro. Com um porém. “O Estado desembolsou mais do que o Governo Federal na época para fazer a BR-232”, disse.

Agamenon criou quatro tributos para custear o projeto de pavimentação: a taxa rodoviária do licenciamento anual dos veículos; o adicional de 0,4% sobre o Imposto de Vendas e Consignações, o atual ICMS; taxa de pedágio nas rodovias estaduais pavimentadas; além da contribuição de melhoria, cobrada aos proprietários dos imóveis localizados em uma faixa de cinco quilômetros para cada lado das rodovias estaduais pavimentadas – essa última, porém, não chegou a ser exigida.

Primeiro, as estradas; o resto, elas darão

A frase de Agamenon prova que Pernambuco considerava que a melhora nas rodovias traria consequentemente um retorno financeiro. “Os governadores seguintes, como Torres Galvão, Etelvino Lins de Albuquerque e outros, deram continuidade a esse pensamento. Com a duplicação, várias cidades, como Caruaru, Vitória de Santo Antão e Gravatá, tiveram um grande impulso com a implantação de indústrias e crescimento imobiliário. Bezerros, Belo Jardim e Pesqueira ganharam um deslocamento melhor até a capital. O investimento feito pelo Estado impulsionou a geração de empregos”, argumentou o engenheiro. Segundo o autor, a rodovia proporcionou redução no número de acidentes, do tempo de viagem, além de incentivar maior turismo ao interior.

A Folha de Pernambuco percorreu diversos trechos da BR-232. Pelo caminho, encontrou pessoas que tiram da rodovia o sustento com pequenos negócios. “Esse ponto aqui era do meu sogro, há 20 anos. Depois, ficou com meu marido, mas agora ele está trabalhando no Recife e eu fico cuidando para ser o complemento de renda da família”, declarou Fabiele Marlene, de 27 anos, que vende milho no distrito de Bonança, em Moreno.

Em Bezerros, na Encruzilhada de São João, fica um comércio famoso de bolachas e pamonhas. “Já atendi gente de vários estados. Eles passam, encontram essa área cheia de produtos e ficam curiosos. É o nosso ‘ganha pão’ e a BR-232 é o que acaba atraindo os turistas”, apontou Flaviana Maria, de 25 anos.

O que o futuro reserva à rodovia

A BR-232 passou por diversas modificações nos últimos anos, com pavimentação, restauração, duplicação e triplicação (a exemplo do trecho próximo da BR-101 até a entrada da BR-408). Às margens da rodovia, há negócios que passam desde o Memorial do artista José Francisco Borges, o “J Borges”, em Bezerros, até o centro de compras do Recife Outlet, inaugurado em 2021, em Moreno. Segundo dados recentes do Departamento Estadual de Estradas e Rodagem (DER), 67 mil carros trafegam por dia no local.

Sob a gerência do Estado desde 2000, durante o governo de Jarbas Vasconcelos, no trecho de 130 quilômetros entre Recife e Caruaru, a rodovia ficará novamente com a União. A “devolução” acontecerá antes do prazo final do convênio, que vence em 2027. O Governo Federal promete investir R$ 300 milhões, sendo um dos projetos a duplicação no trecho entre São Caetano, no Agreste, e Serra Talhada, no Sertão.

Homenageado ao ter o nome marcado no local, além de uma estátua em um trecho da BR-232, no bairro do Curado, no Recife, o pernambucano Luiz Gonzaga fez indiretamente uma previsão, na canção “Nordeste para frente”, que remete bem à rodovia. “Senhor repórter, já que está me entrevistando, vá anotando para botar no seu jornal. O meu Nordeste está mudado. Publique isso para ficar documentado.”

Fonte: Folha de Pernambuco

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