Um movimento formado por pais de vítimas e também moradores de Santa Maria está revoltado com a exibição da série Todo Dia a Mesma Noite, disponível na Netflix. Segundo o coordenador do grupo, o sentimento é de indignação e injustiça. O empresário Eriton Luiz Tonetto Lopes perdeu uma filha de 19 anos na tragédia, a jovem Évelin Costa Lopes.
– Nós fomos pegos de surpresa, ninguém nos avisou, ninguém nos pediu permissão. Nós queremos saber quem está lucrando com isso. Não admitimos que ninguém ganhe dinheiro em cima da nossa dor e das mortes dos nossos filhos. Queremos entender quem autorizou, quem foi avisado, porque muitos de nós não fomos. Há pais passando mal por causa da série. O mínimo que exigimos agora é que uma parte do lucro seja repassada para tratamento de sobreviventes e para a construção do memorial da Kiss. Nós não queremos nenhum dinheiro para nós – afirma Eriton.
Alegando “exploração financeira da tragédia”, pais e apoiadores começaram uma mobilização e criaram um grupo de Whatsapp para discutir o assunto. Eles não fazem parte da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria. A série Todo Dia a Mesma Noite, baseada no livro homônimo da jornalista mineira Daniela Arbex, é uma obra que mistura realidade e ficção, interpretada por atores.
O grupo contratou uma advogada de Santa Maria para receber orientações jurídicas, conduzir o caso e questionar a destinação do dinheiro arrecadado pela Netflix. Segundo Juliane Muller Korb, o ponto crucial é abordar a responsabilidade afetiva e social dos streamings.
– Todas as famílias sentem a mesma dor, mas de forma distinta, inclusive em relação a esta série. Todas têm mágoa com o poder judiciário e com a impunidade até aqui. A grande questão é que faltou sensibilidade, por parte da Netflix, de fazer um contato com os pais. Não para pedir permissão nem coibir a licença poética, pois a história não tem dono, mas para avisar que seria algo totalmente diferente de tudo que eles já viram. Eles estavam preparados para um documentário, não para uma série dramática. Os pais e os sobreviventes estão “acostumados” a ver materiais jornalísticos, com reproduções e relatos fidedignos. Mas a série é diferente. O impacto foi muito forte porque é uma simulação, uma reprodução, com rostos diferentes, com atores. Eles estão “acostumados” com o pós-tragédia. E a série mostra o antes, então, é como se ocorresse de novo. É uma linha muito tênue entre ficção e realidade – explica Juliane.
A advogada acrescenta que seu papel é fazer a interlocução com a Netflix, tentar um diálogo para que pelo menos uma parte do lucro seja destinada às vítimas, aos sobreviventes e à construção do memorial. Ela acredita que seja viável ação por danos morais e sequelas médicas, pois, segundo ela, pais voltaram para a terapia por causa da série. O encaminhamento deve ser feito ainda nesta semana. Procurada, a Netflix não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Fonte: Gaúcha ZH